nov, 18 2025
Em meio a uma negociação comercial de alto risco, o governo de Bangladesh anunciou um compromisso de comprar 25 aviões widebody da Boeing para a Biman Bangladesh Airlines — um movimento que, segundo autoridades, tem como objetivo evitar uma tarifa de 35% sobre suas exportações para os Estados Unidos. A declaração, feita pelo secretário do Ministério do Comércio, Mahbubur Rahman, em 6 de novembro de 2025, gerou ondas de incerteza: enquanto o governo afirma que o pedido já foi feito, a Boeing ainda não confirmou a transação. E, paradoxalmente, o país continua avaliando uma proposta concorrente da Airbus.
Um acordo para evitar tarifas — e não só para voar
O que parece um simples pedido de aeronaves é, na verdade, um pacto geopolítico disfarçado de compra industrial. Desde 2024, os Estados Unidos ameaçam impor tarifas punitivas sobre roupas e produtos têxteis de Bangladesh, o segundo maior exportador global de vestuário. A justificativa? O déficit comercial. Para evitar o golpe, Daca propôs um pacote: aumentar importações de trigo, algodão e óleo dos EUA — e comprar aviões da Boeing. "Fizemos um compromisso e encomendamos 25 widebodies. A primeira deve chegar em 2029", disse Rahman em julho. "É parte do acordo de tarifas com os EUA." Mas há um detalhe crucial: o valor total da encomenda — estimado em US$ 7 bilhões — equivale a quase 10% do PIB anual de Bangladesh. E isso não é um investimento em transporte. É um seguro contra sanções comerciais. "Outros países fizeram o mesmo", afirmou Rahman, citando a Índia e a Indonésia. Mas, segundo a AeroTime, a cifra de "150 aviões cada" citada por ele não condiz com os dados reais — uma confusão que levanta suspeitas sobre a transparência do processo.Boeing ou Airbus? O jogo diplomático na capital
Aqui está o nó: enquanto o Ministério do Comércio anuncia a compra da Boeing, a própria Biman Bangladesh Airlines — a companhia aérea estatal — afirma que ainda está avaliando propostas. Segundo a agência estatal BSS, a Airbus ofereceu 10 A350 e quatro A320neo. A Boeing, por sua vez, propôs 10 787 Dreamliner e quatro 737 MAX. Ambos os lados estão em jogo. E o timing é delicado.Enquanto isso, em Dhaka, em novembro de 2025, embaixadores da União Europeia — entre eles, Michael Miller, representante da UE — se reuniram com autoridades locais. "Bangladesh tem um potencial tremendo no setor aéreo", disse Miller. "Queremos estar na mesa." França, Alemanha e Reino Unido pressionaram por transparência. Não é só sobre aviões. É sobre equilíbrio. Se Bangladesh escolher só a Boeing, corre o risco de se tornar um cliente exclusivo dos EUA — e perder espaço no mercado europeu.
Uma frota desgastada e promessas que não se cumprem
A Biman Bangladesh Airlines hoje opera apenas 19 aeronaves, das quais 14 são da Boeing — incluindo 737s e 777s, muitos já com mais de 20 anos. Em junho de 2025, o diretor-presidente da companhia, Shafiqur Rahman, admitiu: "Vamos alugar pelo menos dois aviões porque os fabricantes não conseguirão entregar novos antes de 2031." Isso contradiz diretamente a promessa de entrega em 2029. Será que o governo está prometendo o que não pode entregar? Ou a Boeing está atrasando a confirmação para pressionar em outras negociações?E então, o silêncio da Boeing. Em seu relatório de pedidos de outubro de 2025 — divulgado em 11 de novembro — a empresa não listou nenhum pedido de Bangladesh. Nem mesmo um número de série. Nada. Enquanto isso, a empresa confirmou a venda de sete 787-9s para um cliente anônimo. Será que Bangladesh é esse cliente? Ou o governo está usando o anúncio como alavanca política?
Instabilidade política no centro da negociação
A tensão não é só econômica. Em agosto de 2024, um movimento estudantil derrubou a ex-líder autocrática Sheikh Hasina. O novo governo, ainda em formação, precisa de legitimidade. E o acordo com os EUA pode ser visto como um sinal de alinhamento estratégico — ou como uma capitulação. Críticos internos acusam o ministério de vender ativos nacionais para evitar tarifas. "Estamos trocando o futuro da nossa aviação por um alívio temporário", disse um analista econômico em Dhaka, sob anonimato. "E se os EUA mudarem de ideia no próximo governo?" Além disso, o processo de licitação não segue padrões internacionais. Não há transparência pública. Nenhum edital. Nenhuma avaliação técnica independente. A decisão parece ser feita em reuniões fechadas entre ministros e embaixadores — um modelo que assusta investidores e parceiros europeus.
O que vem a seguir? A pressão aumenta
O prazo para a tarifa de 35% é 1º de agosto de 2025 — já passou. Mas, até agora, ela não foi aplicada. Por quê? Porque o governo dos EUA está esperando a confirmação formal da compra. Se a Boeing não assinar o contrato até fevereiro de 2026, as tarifas podem voltar — e com força. Enquanto isso, a Airbus está pronta para oferecer financiamento, manutenção e treinamento local. A Boeing, por outro lado, exige pagamento antecipado em dólares — algo difícil para um país com reservas limitadas.Além disso, a União Europeia já começou a negociar paralelamente. Fontes diplomáticas indicam que Bruxelas pode oferecer linhas de crédito para a compra de Airbus, desde que Bangladesh garanta a abertura de seu mercado para produtos europeus. É um jogo de xadrez. E o tabuleiro é enorme: aviação, comércio, política e soberania nacional.
Por que isso importa para você?
Se Bangladesh escolher a Airbus, os preços de passagens entre a Europa e a Ásia podem cair — mais concorrência, mais voos diretos. Se escolher a Boeing, o custo das roupas que compramos em lojas brasileiras pode subir, porque as tarifas voltarão. E se o governo não cumprir o acordo? Aí, a economia global sofre um choque: mais protecionismo, menos confiança em acordos comerciais.Frequently Asked Questions
Por que a Boeing ainda não confirmou o pedido de Bangladesh?
A Boeing não incluiu nenhum pedido de Bangladesh em seu relatório de outubro de 2025, apesar das declarações públicas do governo. Isso pode indicar que o contrato ainda está em negociação, que há divergências técnicas ou que o governo de Bangladesh está usando o anúncio como ferramenta diplomática. Sem assinatura formal, o pedido não é vinculativo — e a Boeing evita confirmar até que todos os termos estejam acordados.
A compra de aviões realmente reduz o déficit comercial?
Teoricamente, sim — pois a compra de aviões representa uma importação de alta valorização. Mas o valor real da encomenda (US$ 7 bilhões) é quase 10 vezes maior que o déficit anual de Bangladesh com os EUA, que gira em torno de US$ 800 milhões. Isso sugere que o valor dos aviões serve mais como símbolo político do que como ajuste econômico real. O verdadeiro objetivo é evitar tarifas, não equilibrar contas.
Quais são os riscos de escolher a Airbus em vez da Boeing?
Escolher a Airbus pode alienar os EUA e adiar ou intensificar tarifas sobre roupas têxteis. Mas também traz vantagens: financiamento mais flexível, suporte técnico local e alinhamento com a UE — que pode oferecer acordos de livre-comércio adicionais. A Boeing exige pagamento antecipado em dólares, algo difícil para um país com reservas limitadas e inflação crescente.
Por que a União Europeia está se envolvendo nesse caso?
A UE vê Bangladesh como um mercado estratégico para seus aviões e produtos industriais. Se o país se alinhar apenas aos EUA, perde espaço no comércio global. Além disso, a UE teme que acordos como esse — onde compras de armas ou aviões substituem negociações comerciais — se tornem norma, minando o princípio da concorrência justa. Por isso, embaixadores estão pressionando por transparência e igualdade de condições.
O que acontece se Bangladesh não cumprir o acordo com os EUA?
A tarifa de 35% sobre exportações têxteis pode ser aplicada retroativamente, afetando cerca de 4 milhões de trabalhadores no setor. Isso pode desencadear uma crise econômica e social, já que o setor têxtil responde por 80% das exportações do país. Além disso, a credibilidade de Bangladesh como parceiro comercial sofreria um golpe duradouro, dificultando futuras negociações com qualquer bloco.
O novo governo de Bangladesh tem poder para decidir isso?
O governo atual, formado após a queda de Sheikh Hasina em agosto de 2024, ainda está em transição. Embora o Ministério do Comércio tenha feito o anúncio, a decisão final depende de consenso entre o executivo, o parlamento e até o setor militar — que tem interesse em manter o acesso a tecnologia aeroespacial. A incerteza política aumenta o risco de qualquer decisão ser revertida nos próximos meses.